Aprovada e sancionada pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado, a reforma tributária vinha sendo discutida desde a elaboração da Constituição, em 1988, quando se tentou pela primeira vez reunir tributos sobre o consumo em um único imposto.
De acordo com o projeto aprovado, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serão unificados na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS) serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Essa unificação gerou expectativas de maior segurança jurídica, simplificação e redução da burocracia, sem onerar ainda mais cidadãos e empresas. No último dia 22 de maio, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, publicou ato criando Grupos de Trabalho (GTs) para discutir os projetos de lei que regulamentarão a reforma tributária.
O Governo Federal estabeleceu 19 grupos técnicos, cada um focado em uma área específica. Além disso, a sociedade civil, através de universidades, empresas e setores econômicos, também desenvolveu estudos e projeções.
Especialistas expressam preocupação com um possível aumento da carga tributária em diversos setores da economia com a regulamentação da reforma.
Agronegócio –Ranieri Genari, advogado e consultor tributário na Evoinc, afirma que a reforma impactará duramente o Pacto Federativo com a extinção do ICMS, o que afetará diretamente o agronegócio. “Regionalmente, o ICMS é um importante instrumento de política pública, incentivando a produção de alimentos, criação de animais e comercialização de máquinas e equipamentos”, explica.
Genari alerta que a insegurança jurídica e a subjetividade na atual carga tributária podem se ampliar com o imposto seletivo (IS), que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. “A lista completa dos itens a serem taxados ainda não está clara, nem se será taxativa ou exemplificativa”, acrescenta.
Apesar da reforma trazer isenção do IVA para produtores rurais com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões e adoção de crédito presumido, Genari ressalta que “isso pode resultar em aumento de custos de compliance, devido à necessidade de controle contábil e cumprimento de obrigações tributárias”.
As alterações no ITCMD, cuja progressividade será obrigatória conforme o patrimônio transmitido ou doado, afetarão significativamente os produtores proprietários de terras. “Essas mudanças podem resultar em aumento dos custos de produção, repassados ao consumidor final.”
Automóveis –O setor automobilístico também deverá enfrentar aumento de carga tributária com o imposto seletivo, segundoThulio Carvalho, advogado do Dias de Souza Advogados. “Embora as alíquotas ainda não sejam conhecidas, o novo tributo gera apreensão no mercado. Atualmente, IPI, ICMS e PIS/COFINS representam cerca de 24,3% do preço de um veículo de passeio. Com o IVA, subiria para pelo menos 26,5%. Com o imposto seletivo, o aumento seria ainda maior”, analisa Carvalho.
O imposto poderá recair sobre todos os veículos novos, com alíquotas variando conforme potência, eficiência energética e reciclabilidade. “Apenas veículos ‘sustentáveis’, incluindo carros elétricos, teriam alíquota zero”, explica.
Planos de saúde– Com a reforma, a tributação dos planos de saúde mudará de uma média de 5% para cerca de 26%, o valor do IVA dual, segundoGuilherme Di Ferreira, advogado no Lara Martins Advogados. “Os planos de saúde deverão aumentar os preços, repassando a diferença ao consumidor final”, prevê Di Ferreira.
Outro ponto de atenção é se as empresas que oferecem plano de saúde aos empregados poderão utilizar isso como crédito. “A questão é se o plano é de uso pessoal ou essencial para o trabalho. Dependendo da classificação, pode ser usado como crédito tributário ou considerado salário indireto, o que será resolvido com uma lei complementar”, diz Di Ferreira.
Construção civil– O projeto de lei que regulamenta a reforma trata distintamente a incorporação e construção e a construção civil em geral.
Para incorporação e construção, ou até mesmo locação e arrendamento, há uma redução de 20% na alíquota final. Atualmente, as alíquotas de PIS, Cofins, Imposto de Renda e Contribuição Social chegam a 4% do faturamento das vendas, detalhaEduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur. “Agora, o valor será o valor venal de venda, se já cadastrado, ou o valor de venda, aplicando-se a alíquota do regime geral com uma redução de 20%.”
Para a construção civil em geral, não há benefícios, e a mão de obra própria, grande insumo do setor, será bastante afetada. “Se a alíquota final do IBS e CBS ficar no patamar noticiado, a tributação saltará de 8,65% para 26,5%”, conclui Natal.
Fontes:
Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT);
Guilherme Di Ferreira, advogado no Lara Martins Advogados, é especialista em Direito Tributário, pós-graduando em Direito Tributário Aplicado e diretor adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO;
Ranieri Genari, advogado e consultor tributário na Evoinc,
Thulio Carvalho, mestre em Direito pela PUC/SP, especialista em Direito Tributário, advogado do Dias de Souza Advogados.